Tenho uma historinha pra contar sobre o tema aborto

É um assunto difícil, escuto falar de mulheres que abortaram e ficaram com traumas terríveis por muito tempo, mas nem se sentem com o “direito” de arrependerem: não tinha outro jeito. Foi um sofrimento. Pecadoras? Bandidas? Criminosas?

Sobre esse projeto de fundamentalistas … ia dizer babacas, mas são piores do que isso, muita gente já disse que gostaria de ver se a menina grávida estuprada fosse filha de um desses hipócritas. Não desejo isso, a coitada já tem o azar de ter um pai ou uma mãe tão ruim, e não merece pagar pelo que o pai ou a mãe faz.

E agora a historinha que quero contar…

Ainda nos anos finais da ditadura, foi criado o jornal Brasil Mulher. Sua líder, Terezinha Zerbini, era militante pela anistia aos presos políticos e o jornal tinha essa questão como central. Depois, por discordâncias internas, Terezinha Zerbini deixou o jornal, que passou a ser de militantes contrárias à ditadura também, mas acrescentando algumas coisas mais na sua militância: tinham um trabalho com mulheres num bairro distante e pobre da zona sul de São Paulo, em que, além de questões políticas, relações de trabalho, família (maridos problemáticos), vida doméstica e outros temas tinham como um ponto importante a educação sexual.

Muitas mulheres, a maioria donas de casa, participavam das atividades desenvolvidas. Eu colaborava no jornal e um dia me contaram sobre o trabalho de educação sexual que faziam com as moradoras do bairro. Falavam de tudo, desde o uso de camisinha até prazer e doenças venéreas. Só não podiam falar de uma coisa: o aborto. Esse assunto era tabu. As mulheres, quase todas cristãs (a maior parte católica, na época, mas tinha também protestantes – agora chamadas evangélicas).

Se alguma militante do jornal, numa reunião com as moradoras, tentasse falar de aborto, era cortada na hora. Pecado imperdoável! Tabu mesmo. Não podia nem tocar no assunto.

Uma das militantes ficou muito curiosa e começou a conversar separadamente com cada uma das moradoras, em suas visitas frequentes ao bairro. Falava isoladamente com as mulheres, sobre vários assuntos, desde amenidades até durezas da vida. Conversavam sobre a criação dos filhos, lazer, trabalho doméstico, maridos nem sempre bons, a vida cotidiana… e sutilmente chegava ao tema maldito, o aborto.

E me disse que quase todas contaram que já tinham feito aborto. E nem era por estupro, era porque as condições de vida já estavam duras demais e ter um filho num determinado momento complicaria. Justificavam… abortavam, mas não porque queriam, era porque precisavam trabalhar e durante a gravidez e uns tempos depois do parto não poderiam. Creche, não tinha… O marido ausente ou com ganhos insuficientes… Iam viver na miséria? Morrer de fome levando o filho? O que fazer? Justificavam, né?

Fizeram sim, não porque queriam, mas por necessidade. Pecaram, mas não gostavam de ter pecado. E as meninas estupradas, são pecadoras malditas que “querem” abortar?

Para finalizar, além de lembrar aos “nobres” parlamentares a pergunta que não é minha, o que fariam se uma filha de 12 anos fosse estuprada por um bandidaço e engravidasse, penso: será que nenhum deles é filho de uma dessas mães pobres que tiveram que abortar (pedindo a Deus perdão pelo pecado) por falta de condições de criar um filho? Nem ouso falar que seria bom se umas mães tivessem abortado uns e outros por aí…

Umas coisas para pensar:

Todo mundo tem que seguir a Bíblia cegamente?

Se querem seguir a Bíblia, que sigam. Não temos nada com isso, desde que não tentem impor aos outros. A Bíblia não é livro básico de nem um quarto da humanidade. Vão querer ir à China, Índia, Japão, boa parte da África e do Sudeste Asiático impor suas crenças? Já tentaram isso.

Na América toda também. A colonização europeia – criminosa, assassina e de rapinagem – tinha como desculpa levar a fé cristã aos povos daqui. Um exemplo do que fizeram foi no Império Inca, onde “bons cristãos” impunham o cristianismo – e a Bíblia como livro a ser seguido.

Quando os espanhóis chegaram lá, a população do Império era de 15 milhões de habitantes. Aí, começou a mortandade, parte pelas armas (para quem não aceitava se converter) e parte por doenças levadas por eles, inclusive doenças venéreas muitas vezes transmitidas por estupros. Em dez anos, a população do Império Inca tinha baixado para 1,5 milhão.

Será que isso serviu de exemplo para o Deus dos bíblicos não ter colaborado para, anos depois, fazerem a mesma coisa no Oriente?

Pacto com o diabo

Tenho a impressão de que muitos desses líderes diabólicos e sua corte, quando acordam de manhã, pensam logo de cara: “Que mal eu posso fazer hoje?”.

Durante a enchente no Rio Grande do Sul, dedicaram-se a criar notícias e informações falsas que complicavam ainda mais a vida das vítimas. “Como pode alguém ser tão ruim?”, eu pensava, mesmo não podendo esperar coisa melhor deles.

E a atuação deles no Congresso Nacional? Dedicam-se a tentar impedir qualquer coisa que seja bom para o povo, cortar direitos, tornar a vida mais sofrida.

Recentemente, tentaram (e se bobear ainda conseguem) aprovar um projeto de lei que permite privatizar terrenos da orla marítima. Sim, já existem conjuntos habitacionais, clubes e não sei que mais que impedem a entrada de não moradores ou não associados à praia que se tornou privada. Muitas! Tudo ilegalmente, mas fazem. Imaginem com uma lei a favor.

Pensem bem: todos os dias trazem “novidades” como essas.

Era de se esperar o projeto de lei dos estupradores.

Publicado originalmente na Revista Fórum

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