Aqui a vitória está muito além do gramando

Quando Alcir de Camargo, o Tilim, começa a falar de seu trabalho junto às meninas que fazem parte do time Brothers FC, fica uma dúvida: o que leva uma pessoa dedicar 24 horas por dia, sem descanso, a um trabalho sem remuneração? Não dá para acreditar, mas ele tem uma resposta simples e direta:

“É uma missão que recebi de Deus”.

Sábado pela manhã, às 8h30, Tilim chega ao Centro Social Urbano Jane Maria de Lacerda Soares, pedalando a sua bicicleta. Na noite anterior havia caído uma tromba d´água e ele já tinha ido até o local onde o Brothers treina e verificado que não haveria condições de treinar, dando sequência aos preparativos para a partida que faria no dia seguinte em São José do Rio Preto.

Ele se desculpa, pois havia confirmado uma entrevista para o Jornal da Zona Norte, com a equipe para aquele horário:

“Ontem caiu um dilúvio e vim aqui mais cedo e constatei que não daria para treinar. Não podemos colocar em risco as nossas jogadoras. Para sofrer uma contusão, com este gramado encharcado é a coisa mais fácil. Então deixei as meninas dormir um pouco mais no alojamento”.

Aos poucos ele vai falando da história deste time, que na verdade é uma história sua e da esposa, que está ao seu lado cuidando destas garotas. Ela cuida do alojamento onde 12 atletas que moram em cidades distantes ficam alojadas. Elas tem entre 15 e 27 anos e recebem café da manhã, almoço e janta.

Tudo começou há dois anos e meio quando Tilim, que já fazia um trabalho com garotos e percebeu que algumas garotas ficavam vendo os treinamentos e demonstravam um enorme prazer em jogar futebol. E ao ver uma foto da equipe masculina do Brothers, ele notou que havia uma menina. Foi então que uma rápida conversa com Ivan Cardoso, dono do time, que resolveram montar a equipe feminina. Ivan faz o que pode, mas a sua ajuda é muito pequena. Mesmo assim Tilim resolveu encarar.

Tilim explica que “é muito difícil montar uma equipe feminina porque não tem com quem jogar na região. Time masculino é fácil, tem um monte, mas feminino não tem nenhum. Por aqui é só o nosso”.

O técnico e “faz tudo” do time feminino não reclama em nenhum momento da situação e fala várias vezes que qualquer ajuda é bem-vinda. Já chegou a ficar sem comer para levar comida às suas atletas. O seu maior trabalho é sair todos os dias a procura de amigos pedindo ajuda. E todos dão o que podem. Assim o time vai resistindo às dificuldades.

Tilim afirma que “algumas famílias dão um pouco, dentro das suas possibilidades, mas ninguém cobra nada. É tudo de graça”.

Pelos seus cálculos há um custo de R$ 15 mil mensais para manter o time, sem contar com as viagens que faz para participar do Campeonato Paulista. Normalmente a Secretaria de Esportes dá uma van com combustível para ida. A diária e alimentação do motorista, além da gasolina para a volta é Tilim que consegue com os amigos.

Para o técnico, o que menos importa é o resultado que o time tem nos gramados. Ele quer que as jogadoras vençam na vida. Com orgulho, cita equipes de ponta como São Paulo, Ferroviária, Atlético Mineiro e Botafogo que têm em seus elencos jogadoras que saíram de Votuporanga. Além de outras equipes do Brasil, têm jogadoras em Portugal e China. E Tilim recebe apenas uma ajuda do auxílio atleta há quatro meses. Mas é pouco, muito pouco, quase nada em relação ao que gasta com o time. Mesmo assim ele agradece muito ao secretário de Esportes Marcelo Stringari.

Para complicar as coisas o Brothers precisa mandar suas partidas em campos da região já que a Arena Plínio Marin está passando por reformas no gramado e está interditado. Mas não falta ajuda. Quando existem famílias de jogadoras no meio do caminho são nestas casas que o time almoça.

Só que para as jogadoras nem tudo são flores. Tilim é rígido e exige disciplina total. Ele lembra quando dispensou duas jogadoras porque uma delas não foi à escola e sua amiga não avisou. Ele ficou sabendo e dispensou as duas. Ali a coisa é séria e por isso ele acredita que os pais destas garotas confiam no seu trabalho.

A frase “matar um leão por dia” está na vida deste homem com o total apoio da esposa. Ele não se importa com a fama de “pidoncho”, pois a sua missão é formar jogadoras para o Brasil. Quando é perguntado quanto tempo levará para que o Brothers seja uma equipe competitiva, ele parece não escutar e fala do seu trabalho, da sua missão. Tilim não se importa se a equipe que cuida será campeã algum dia. Ele quer a vitória de suas atletas.

Além de participar do Campeonato Paulista, o Brothers é um fornecedor permanente de garotas de base para times que só têm equipes adultas. A equipe de Rio Preto não tem este trabalho, mas como a Federação Paulista de Futebol exige que o time dispute um campeonato de base é ao Brothers que a diretoria rio-pretense recorre. E Tilim fala disso com orgulho, sem pensar em retorno financeiro.

Ao ser perguntado se ele sonha em ter empresas patrocinando o time, ele dá um sorriso tímido e comenta:

“Ter um time com dinheiro é fácil, mas eu vou fazer este trabalho até o fim da minha vida, pois esta é uma missão que me foi dada e vou cumprir com todo o meu coração”.

No domingo o Brothers venceu o Velo Clube de Rio Claro, jogando em Rio Preto, por 2 x 0, com gols de Bianca e Mary. Foi a primeira vitória no campeonato. Com este resultado, a equipe vai para o quinto lugar e entra na disputa para a entrar na próxima fase.

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