Fabricantes fazem “guerra preventiva” contra chineses

Por Joel Leite –

BYD e1, compacto 100% elétrico de 3,46 metros de comprimento e autonomia de 305 quilômetros, sem necessidade de recarga das baterias; na China, preço parte de o equivalente a R$ 47.200

A Anfavea, associação dos fabricantes de veículos, fez estudos para mostrar o crescimento das marcas chinesas no Brasil e na América Latina, indicando que esse movimento prejudica os fabricantes brasileiros, que investem no Brasil enquanto os importados recebem isenção de imposto de importação (caso dos elétricos puros).

Trata-se de uma espécie da chamada “guerra preventiva”, termo usado pelos Estados Unidos para justificar a invasão do Iraque e de outros países, e provocar a matança de suas populações com o seguinte argumento:

“Se nós não acabarmos com eles, eles (“supostamente”) acabarão com a gente”

Assim como nas invasões estadunidenses pelo mundo – obviamente, guardadas as proporções e o poder de fogo – os fabricantes de veículos brigam para que o governo brasileiro passe a taxar os carros elétricos importados, como apoio à uma “guerra preventiva” contra os chineses que estão invadindo pela segunda vez o Brasil (sim, contém ironia!).

Acredite: as montadoras pedem ao governo pagamento de impostos! Um comportamento inédito no setor, que faria André Beer (*) revirar no túmulo. Leia Queremos Impostos.

O Estudo feito pela Anfavea indica que “a penetração dos carros chineses no mercado brasileiro é crescente desde que caiu, em 2015, a proteção do imposto de importação de 35%, reduzido a zero para carros elétricos e a 2% ou 4% para híbridos”. Ora, isso mostra que a isenção funcionou, já que ela foi determinada justamente para que o segmento se desenvolvesse.

É preciso lembrar o leitor que a isenção do imposto não é só para os chineses, mas para todos os carros elétricos, inclusive aqueles trazidos pelas montadoras instaladas no Brasil. Portanto, há total isonomia entre os importadores e os fabricantes brasileiros. Não há proteção aos chineses, cujas marcas, a propósito (em grande parte), estão investindo no Brasil com fabricação local anunciada para os próximos anos.

A isenção, portanto, é saudável e necessária, pelo menos por enquanto, para que os carros elétricos (chineses e não chineses) conquistem uma parcela do mercado e permitam que o consumidor brasileiro tenha acesso à tecnologia que, queiramos ou não, está dominando o mundo.

A gritaria dos fabricantes é tão extemporânea como a verificada na primeira “guerra preventiva” declarada pela Anfavea, por volta dos anos 2000.

Na época, mesmo com todo o entusiasmo do empresário Sérgio Habib com a JAC, e a presença de pelo menos mais cinco marcas chinesas no mercado, entre elas Chery, Lifan, Effa e VN Auto, todo o volume de vendas de carros chineses – que os fabricantes chamavam de “Invasão Chinesa”, não chegava às vendas totais da velha (e já carcomida) perua Kombi.

Tal como naquela época, os números revelam que a participação dos chineses é irrisória. Em 2022, mesmo com o expressivo crescimento de 197%, as vendas totais de carros 100% elétricos foi de 8.498 unidades, esse número é menor do que o dos 50 (cinquenta) carros mais vendidos no ano: o quinquagésimo colocado, o Nissan Frontier, teve 8.669 licenciamentos. E o líder do ranking, a picape Strada, vendeu 13 vezes mais do que todo o segmento de elétrico puro.

Não é só aqui que os fabricantes ocidentais estão perdendo mercado para os chineses. Na própria China, que até recentemente era dominada por marcas estrangeiras, as ex-chinglings estão dando a volta por cima.

Conforme destaca o jornalista Homero Gotardello em sua coluna desta semana no site Autoinforme, as joint ventures (associação de empresas chinesas com fabricantes ocidentais como Volkswagen e General Motors) detinham 80% das vendas há dez anos, enquanto uma dúzia de marcas chinesas (Chery, Changan, BYD) mal dividiam 20% restante. Hoje essa proporção virou, por causa especialmente dos modelos a bateria. Os modelos Volkswagen produzidos na China lideraram as vendas no país nas últimas décadas, chegando a 17% de participação. Hoje a líder é a BYD, que no segundo trimestre deste ano vendeu 600 mil híbridos e elétricos e abocanhou 11,2% do mercado.

Com participações residuais nas últimas décadas, marcas 100% chinesas passaram a ocupar lugar de destaque no mercado interno. Além da BYD, Changan, Geely e Wulling estão nas Top Ten em 2023.

(*) André Beer foi presidente da Anfavea de 1983 a 1986 e de 1986 a 1989. Seu mantra, seguida por todos os demais presidentes, era a luta pela redução de impostos. Morreu em 2019.

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