“…O Mago mandou avisar…” (Alcohol- Jorge Benjor)
Como diria o ditado gaudério: Mas está vivo quem peleja!
Costumo dizer que sal, mel, ovos, alguma carne defumada e Cachaça é bom sempre ter em casa. Violão também. Poderia discorrer sobre cada um desses elementos isoladamente mas vou me ater à Cachaça, mais especificamente ao seu espírito, o álcool.
Defendo que mesmo aqueles que não bebem podem utilizá-la com bom uso. O abstêmio mais “raiz” pode consumir cachaça para pururucar uma pele de porco ou uma boa e velha massa de pastel. Os assados temperados com Cachaça abrem as portas da percepção ainda mais quando se utilizam madeiras intensas como a Amburana, o Bálsamo ou o consagrado Carvalho. A prata ou inox já têm seu lugar garantido no afeto dos temperos.
Poderia ainda enveredar pelos caldos de nossa rica culinária (já chamada de “primitiva” por experts) que podem levar Cachaça como um rico “realçador de sabor”.
Conservas de pimenta dão ótimos resultados quando descansam em nossa brasileira bebida.
Ainda não vai ser hoje que vou falar das sobremesas mas elas dão o que falar…
Há também os que utilizam o álcool como terapia junto com fumo de rolo, Neen, Cravo da índia ou Citronela para salvar alguma planta ornamental de algum fungo ou salvar a “própria pele” nas epidemias de dengue e Chikungunya que nos visitam em todo verão.
A percepção da importância do álcool na história da humanidade mudou muito nesses dias (espero que tenham refletido, pelo menos!).
Já temos uma geração de crianças que para além das tradicionais referências do álcool dos postos de gasolina ou mesmo dos alambiques, agora terá a referência do álcool em gel, ou do álcool 70%, campeão nos sprays na cerimônia de limpar todas as compras pós mercado e feira. Alguns da minha geração se inebriavam com o álcool das provas da escola saídas quentinhas do mimeógrafo.
Assim que a pandemia eclodiu no país compartilhei com um pequeno grupo (meio em tom de brincadeira, meio sugestivo) sobre a possibilidade de alambiques doarem suas “Cachaças de Cabeça” (ou álcool 70%) para a prevenção do Covid-19. Alguns produtores já tinham esse hábito, outros fizeram essa generosa oferta mostrando que por mais atacada que seja nossa Cachaça, sua essência enquanto bebida destilada (daí os óleos essenciais) está na busca pelo “elixir da vida”, uma “Água da vida” (Au de vie, Ácqua Vitae). Não deixe de conferir essa linha do tempo
Foram várias as destilarias do Brasil que doaram e ainda doam seu “álcool 70” para a saúde pública.
Como o assunto também é “terapêutico” não há como ignorar que na história o papel da cura ou tratamento do corpo e do espírito consideraram o álcool como base para poções, extratos, essências, trabalhos, feitiços e toda sorte de produto que no caráter ritual e cerimonioso (portanto muitas vezes acompanhado de música) “quebrou o galho” da saúde de muita gente.
Nesse sentido é bom lembrar que para muitos povos no mundo a comida é alimento não só para o corpo, logo aqueles que cozinham são considerados além de cozinheiros, mag@s, curandeir@s, xamãns.
Como todo antídoto, o álcool possui a posologia adequada para cada “estado de espírito”, situação e local. Considerar isso é um exercício de autoconhecimento e sabedoria. Errar na dose pode trazer problemas sérios principalmente quando o erro é frequente. MUITO CUIDADO!
A história do álcool talvez seja a maior prova de como religiosidade, medicina, psicologia, alimentação, antropologia, geografia, música, enfim… ciência e conhecimento, são parte desse universo diverso e controverso que envolve o próprio álcool.
Nada mais paradoxal do que o álcool destilado que queima como o fogo, se assemelha visualmente com água e evapora como o ar lembrando que o destilado é fruto do fogo e da água. Por estas e outras foi considerado na antiguidade a “Quintessence” ou “Quintessentia”, o quinto elemento essencial ou elemental depois da Terra, Ar, Água e Fogo.
O álcool dos vinhos da segunda guerra, o álcool da cerveja contra a cólera na idade média europeia, o álcool da máfia de Al Capone, o álcool da Revolta da Cachaça, afinal “…o mar da história é agitado…” como diria o poeta russo Maiakóviski grande apreciador de Vodka pelo que dizem.
Ainda falando sobre “cura” paro e reflito se seria por acaso que na região mexicana da Tequila (Sierra Madre entre os estados de Jalisco e Nayarit) encontraríamos os Xamãs Huichol que se reconhecem como curandeiros (“Wixarika”). Lembro da Jurema nordestina, de nossas garrafadas e antes mesmo de refletir sobre o Exu Iorubano ou as entidades do “Marafo” da Umbanda e sua relação com nossa bebida sou abordado por uma senhora na plataforma do metrô. De máscara e saia longa me entrega um panfleto de uma igreja que vai “libertar as pessoas do vício do álcool”.
Aceito o papel e imediatamente ela borrifa álcool em suas mãos entrando no vagão.
Dedico essa postagem ao alquimista Jorge Benjor que profeticamente anunciara as águas (água de beber, água de benzer, água de banhar, alcohool só para desinfetar) e que discorrendo sobre os alquimistas ressaltara :
“…eles são discretos e silenciosos…”