A estátua de Lúcifer e a liberdade religiosa

A construção de uma estátua de aproximadamente 5 metros de altura representando Lúcifer tomou conta dos noticiários nacionais, gerando grande repercussão e reações divididas nas redes sociais. A estátua foi encomendada pela organização Nova Ordem de Lúcifer na Terra, sediada na cidade de Gravataí, no Rio Grande do Sul, e foi instalada em uma propriedade privada onde ocorreriam os encontros promovidos pela entidade religiosa.

No entanto, após uma liminar da justiça estadual gaúcha, o local foi interditado, e a inauguração do templo foi cancelada. Segundo a justiça do Rio Grande do Sul, a proibição do funcionamento do templo não se deu por motivos religiosos, mas pela ausência de documentos obrigatórios, como o alvará de funcionamento, o PPCI (Plano de Prevenção e Combate a Incêndios) e o CNPJ. Ainda de acordo com informações do Tribunal de Justiça do estado, foi estipulada uma multa de 50 mil reais por dia caso a regularização administrativa não seja realizada.

Um dos administradores do templo afirmou que, na verdade, a prefeitura estaria impondo dificuldades na liberação administrativa devido à intolerância religiosa. Apesar de todo o furor causado nas redes sociais após a publicação das imagens da estátua, é importante lembrar que, legalmente, o Brasil é um país laico, que garante a livre manifestação religiosa. A liberdade religiosa é um preceito fundamental, consagrado em diversos dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro.

Devemos ressaltar que a própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso VI, assegura que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, garantindo o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção, na forma da lei, aos locais de culto e suas liturgias. Além disso, o artigo 19, inciso I, da Constituição veda aos Estados, Municípios, à União e ao Distrito Federal estabelecer cultos religiosos ou igrejas, dificultar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, exceto na forma da lei, para colaboração de interesse público.

É essencial destacar que a legislação brasileira não faz distinção entre religiões. Todas as crenças e práticas religiosas são protegidas pelo mesmo conjunto de leis, independentemente de sua popularidade ou aceitação social. Essa igualdade de tratamento é um princípio fundamental em um Estado laico, que deve garantir a todos o direito de professar livremente sua fé ou ausência dela, sem interferências ou discriminações por parte do poder público.

No entanto, a intolerância religiosa ainda é uma realidade preocupante no Brasil. Essa prática é considerada crime, conforme previsto na Lei nº 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, estendendo sua proteção às práticas religiosas. Infelizmente, os casos de intolerância religiosa têm aumentado nos últimos anos, com registros de agressões, vandalismo e discriminação contra templos e fiéis das mais diversas religiões. Esse cenário reflete um desafio persistente para a convivência pacífica e o respeito às diferenças em uma sociedade plural.

Em conclusão, o episódio envolvendo a construção da estátua de Lúcifer e a subsequente interdição do templo em Gravataí destaca a importância de se respeitar o direito à liberdade religiosa em um Estado laico. Enquanto o cumprimento das normas administrativas é essencial para o funcionamento de qualquer organização, é crucial que as decisões legais não sejam influenciadas por preconceitos ou intolerâncias. Somente assim será possível garantir que todos os cidadãos possam exercer sua fé de forma plena e segura, em conformidade com os princípios constitucionais.

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