Meritocracia e oportunidades sociais

“Ano novo, vida nova, novos anseios e oportunidades”, é o que todos se dizem na virada do ano. Os mais céticos vão dizer que os dias 31.12 e 01.01 do novo ano são dias como quaisquer outros. Ontologicamente, ou seja, na realidade, realmente são, o sol nasce e se põe como nos outros dias, mas não é isso o relevante: o interessante é a leitura cultural e psicológica que damos a este evento.

O “31 de dezembro” encerra mentalmente um ciclo e gira nossa chave para novas esperanças dando um novo ânimo para seguir a vida; se pensarmos que o tempo é uma passagem contínua, dia após dia, sem rituais, marcos ou festividades, em um total desencantamento (Weber), com certeza nossa vida seria mais cinzenta.

Nesta esteira, no sábado passado publicamos uma matéria especial sobre nossas perspectivas, que está no facebook e na página do Diário de Votuporanga para quem quiser conferir.

Esta foi nossa breve digressão temática no nosso vespeiro. Voltemos a ele com mais um tema polêmico que divide esquerdas e direitas: a meritocracia.

Já defendemos aqui, seguindo Norberto Bobbio, que um bom critério para distinguir esquerda e direita, apesar de estar longe de ser o único, é como as desigualdades sociais são tratadas: nesta chave, a esquerda defende que elas devem ser diminuídas principalmente pela ação estatal, daí todas as políticas públicas e de ações afirmativas; já a direita defende que as desigualdades são naturais e que só se sai delas por esforço e mérito próprios.

Vou pinçar dois exemplos contra-argumentativos dados pelo professor de Harvard Michael Sandel em seu livro “Justiça: o que é fazer a coisa certa”, que trata de maneira palatável diversas questões filosóficas.

Os adeptos da meritocracia acreditam que suas conquistas são consequências do seu próprio esforço e trabalho e não de fatores arbitrários que fujam ao nosso controle.

Sandel cita então uma teoria psicológica que acredita que a ordem de nascimento influencia o trabalho e o empenho das pessoas: o filho mais velho tem uma ética de trabalho mais sólida e tende a ter mais sucesso profissional (convencional) do que seus irmãos mais novos. Sandel então pergunta para todas suas turmas em Harvard quem são os primeiros na ordem de nascimento em suas famílias e 75 a 85% sempre levantam a mão!

Ele dá outro exemplo. Imaginemos que alguém franzino vai fazer um trabalho braçal e tem alguém muito mais musculoso fazendo o mesmo serviço. O rendimento do primeiro é bastante inferior, apesar de ter se esforçado muito mais, porém, os partidários da meritocracia não defenderão que o franzino deva ganhar mais.

Ou seja, a meritocracia acredita que a contribuição e a conquista merecem recompensa e não o esforço em si; ora, a contribuição, como dissemos, depende em grande parte das aptidões naturais com as quais nascemos e não podemos reivindicar, pois são fruto da aleatoriedade.

Claro que esta última afirmação vale no mundo material, pois se olharmos religiosamente, as aptidões naturais terão suas explicações por reencarnações de outras vidas ou por dons.

O que isso tem a ver com a política, que é o fio condutor dos nossos vespeiros? Tudo a ver.

Como falaremos em mérito, esforços, aptidões naturais se nossa sociedade e sua política não criarem oportunidades?

Como encontraremos um novo Messi se não dermos oportunidade, por escolinhas de futebol, para as crianças? Como surgirá um novo Almodóvar se nossa sociedade não oportunizar que as pessoas tenham acesso a uma câmera e a cursos de cinema? Como surgirão novos cientistas se continuarmos negando a ciência?

No meu ponto de vista, este é o propósito da sociedade e da política: a criação de oportunidades sociais, cuja dependência maior está nos hipossuficientes, do contrário, de nada adiantarão méritos e esforços próprios.

Quem se acha vitorioso por si próprio, por certo está faltando algo essencial para o crescimento de nossa sociedade, a empatia.

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