Um doce de Salinas, uma Salinas doce

Saio da propriedade dos Santiago e depois daquela imersão na história da fazenda Havana há poucos metros de distância da porteira, à margem da rodovia me deparo com uma moenda modelo trapiche. Como um cão farejador embrenho, ou melhor embrenhamos eu o piloto da moto naquele local de aparência rude.  Ali existia uma produção de melado, rapadura e um tipo de rapadura composta. Experimentei a de abóbora com côco e a de mamão. Ambas sensacionais! Recomendo MUITO! Este tipo de rapadura composta com queijo é uma iguaria que pode ser servida como sobremesa das refeições mais simples às mais aristocráticas.

Neste local me chamou a atenção o orgulho do produtor da rapadura, sua simplicidade e atenção em mostrar os mais diferentes tipos de doce. As instalações certamente não foram visitadas pelo requinte e pelo cuidado com os equipamentos mas por  “farejar” e  perceber que ali, naquela foto de “Brasil profundo” certamente teria algo a aprender.

 Nesta viagem aprendi que o doce regional de Salinas é essa rapadura, pelo menos para mim. Que a cana de Salinas é doce mesmo! Que o Bálsamo de Salinas tem cheiro de sertão, que cada lugar desse Brasil possui seu traço na produção e são vários os fatores que incidem para que essas diferenças aconteçam mesmo para quem está em Salinas ou na mais alta Novo Horizonte.

 Aprendi que o Brasileiro precisa realmente conhecer melhor os diferentes “Brasis” que coexistem. Vivemos em uma eterna busca por nossas raízes pois fato é que a história dos homens comuns, dos alambiqueiros, tanoeiros, fazedores de rapadura geralmente não está nas páginas dos livros. Esta história quando sobrevive, resiste na boca do povo, na tradição oral, na cachaça pois ela está e é a boca do povo.  Talvez por isso esse apreço tão grande pela preservação histórica por parte da família Santiago. Talvez por isso a preocupação histórica de muita gente como eu que coleciona rótulos, traquitanas, dornas, fotos. Para que no futuro não esqueçam as raízes, não esqueçam de onde saiu a cachaça, que gente a fez, e ainda faz.

O norte de minas é um prelúdio do nordeste e suas desigualdades nos lembram do que fomos, do que somos e do que ainda podemos ser. Numa reflexão sobre “centro e periferia” concluo que não é Salinas que está longe. O Brasil de alguns é que está distante do Brasil. O Brasil de alguns que parecem ter vergonha ou pelo menos não tem orgulho, principalmente por desconhecimento. Em Salinas vi muita gente orgulhosa de sua história, orgulhosa do que produz, de sua relação com cachaça. Gente de pele morena, mineira de sotaque baiano, gente muito acolhedora.

Parece que a Cachaça ainda é um desses elos com esses interiores e que ela, nossa amada cachaça, tal qual uma divindade vez ou outra nos cobra que se quisermos nos apropriar do discurso, da história da cachaça, teremos que olhar para nossas raízes, teremos que olhar para nosso interior.

E me vejo viajando em um mototáxi no interior do Brasil e reflito que esta fabriqueta de rapadura ou “casa de cozer méis” não estaria à margem da rodovia por acaso.

No universo da cachaça existe mais profundidade no copo do que imagina nossa vã filosofia.

Agradecimentos

À Cleber e Geraldo Santiago meu muito obrigado. Com o atendimento de vocês tenho certeza que a Havana/ Anísio Santiago continuará encantando muitas gerações e disseminando o legado da boa cachaça de qualidade plantado por Anísio Santiago.

À Tito Moraes pelas dicas, caronas e prosas. Voe alto meu Tiziu.

À Xavier por seu acolhimento, seu sorriso discreto e coração grande de Sabiá.

À Patrícia e Leandro da Ácqua Mineira pelas caronas, conversas e companheirismo.

À Sérgio da Obra de Arte por ser o melhor e mais generoso guia que poderíamos arrumar.

À Marcelo do Instituto Federal por suas dicas e receptividade. 

À você leitor que chegou até aqui nesta viagem comigo, um abraço forte como cachaça!

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